segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A TRANSMUTAÇÃO POR MEIO DA EXPERIÊNCIA

Por José Roberto Garib 

A experiência recebe uma ênfase muito grande no livro de PHG de 1951 quando é citada pelos autores de que: “A experiência se dá na fronteira entre o organismo e seu ambiente, primordialmente a superfície da pele e os outros órgãos de resposta sensorial e motora”. Mais especificamente: “A experiência é função dessa fronteira...” (PHG, 1997, p. 41)

Hoje trago mais uma história que vivi em um lugar onde a imaginação flui... Neste ponto, passava um senhor que surgiu inesperadamente, ele já era muito velho e corcunda, trajava um longo sobretudo verde militar e um cachecol de lã azul escuro, sua cabeça era alva como a neve. Ele caminhava a passos curtos e cansados pelo tempo, sustentado em uma resistente bengala de madeira.

Ele ia com muita dificuldade passando por algumas mesas e cadeiras espalhadas por toda parte onde a plateia despercebida estava, em direção a um piano. Bem ao lado do piano, havia duas malas gigantes no caminho do velho, em uma das quais ele colocou sua bengala. E como num processo alquímico, algo mágico aconteceu.

A alquimia é uma tradição antiga que combina elementos de química, física, astrologia, arte, metalurgia, medicina, misticismo e religião. Ela, quando empregada pelos egípcios, referia-se a transmutação do ouro e da prata. O principal objetivo de um alquimista é a Pedra Filosofal, porque com ela, o alquimista poderia transmutar qualquer metal inferior em ouro, como também obter o Elixir da Longa Vida, que permitia prolongar a vida indefinidamente.

Na verdade a Pedra Filosofal é uma metáfora para uma mudança interior do ser humano, ou seja, a evolução de um ser de um estado inferior para um estado superior.

Aquele senhor tomou seu lugar, abriu o piano e a transmutação magicamente aconteceu ao toque dos dedos daquele velho ao marfim das teclas brancas e pretas, surgiu a Pedra Filosofal, o Elixir da Vida Longa... A música! A plateia que outrora estava cega foi tomada por um brilho da mais refinada luz, trazida por um velho fraco convertido em um jovem intenso cheio de vida.

As claves espalharam espanto pelo ar. Eu, como ser humano inferior, fui transformado em ouro por essa experiência real.

Assim, podemos conceber a Gestalt-terapia como um convite à experiência. Perls, em Gestalt-terapia explicada (1977, p. 80), disse: “O que eu faço como psicoterapeuta é trabalhar como catalisador [...] provocando situações nas quais a pessoa possa experimentar...”. Ainda em relação ao papel do psicoterapeuta, ele acreditava que nós, Gestalt-terapeutas, “[...] pegamos toda a experiência e a espalhamos [...] espalhamos [...]- a parte que está viva” (Perls, 1977, p. 80)

Esse senhor elevou o som daquele piano de forte madeira antiga, sem marcas do tempo de cor preta, conduzindo as pessoas que sentavam ao seu redor a vivenciarem, na fronteira de contato, uma situação de vida, despertando o senso de realidade de cada um como ser humano único e em relação com outro. Os poros dos nossos braços se abriram, recebendo esse sentir.

Quanto à função da técnica nessa abordagem, encontramos: “[...] minha técnica evolui cada vez mais no sentido de nunca, nunca interpretar. Apenas espalhar (back-feeding*), provendo uma oportunidade para a outra pessoa descobrir a si mesma”. (Perls, 1977, p. 168)

Talvez seja esse o meu papel hoje, o de alquimista, na tentativa de transformar essa experiência inexplicável vivida por mim em palavras, à você que lê, e como psicoterapeuta estimulando o cliente que viva suas experiências e se experimente, no aqui e agora, do modo mais espontâneo possível. Ouça a musica da vida!


Baseado no texto escrito por Patrícia Lima (Ticha) contido no Dicionário de Gestalt-terapia: “Gestaltês”/ Gladys D’Acri, Patrícia Lima, Sheila Orgler, p.100 – São Paulo: Summus, 2007.

*A expressão back-feeding (“espelhar”) sugere que é papel do psicoterapeuta dar feedbacks (retornos) constantes a seu cliente, partindo de sua própria experiência.

Perls, F.S; Hefferline, R; Goodman, P. (1951) Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

Perls, Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977.






Nenhum comentário:

Postar um comentário